2006/11/09

-Tudo bem, mas devo lembrar-te que o maior lago artificial de Portugal não é Castelo de Bode, é o Alqueva.

Ripostou Helena

- E quanto a essas tretas todas de imortalidade e reencarnação, já sabes que não acredito em nada disso. Ok, existem aqui uma série de coincidências e factos estranhos que não consigo explicar, mas não tem de ser forçosamente paranormais ou místicos, são coincidências, nada mais do que coincidências. Tal como esta duas arvores mortas serem exactamente iguais...

- Estas arvores tem muito mais a dizer do que aquilo que tu pensas. Porque a propósito de arvores existe um episódio que te quero contar.

Foi protagonista dele o infante D. Duarte, irmão do duque de Bragança e futuro D. João IV. Cita-o uma crónica conventual da responsabilidade de Frei Bernardo da Costa.

[...] No ínfimo desta fabrica [Janela da Sala do Capitulo] está uma estátua [...]. A estátua querem dizer que é representação da Real Casa de Bragança. Sucedeu quando veio tomar o hábito [...] o Infante D. Duarte ao passar pelo sítio desta Janela e demorando-se a vê-la um dos freires que o cortejavam lhe disse como intrometido e com pouca reflexão o pensamento que dissemos da ideia que se faz daquela fábrica. Se é assim, senhor, muito seco está aquele tronco para as esperanças pelo que representa, ao que logo respondeu o Senhor D. Duarte; Não está tão seco que não possa reverdecer e brotar com mais força. Sendo precisamente a Força, com os seus quatro atributos – magnificência, confiança, paciência e perseverança –, uma das acepções do termo latino para Carvalho, espécie vegetal sob cuja copa Abraão levantou o seu Tabernáculo e a Arca da Aliança repousou, torna-se cristalino o motivo da sua eleição para substante do jardim simbólico ali plantado, onde abundam o coral (Corallium rubrum, ou Isis nobilis), árvore Seca marinha consabidamente detentora de propriedades profilácticas e mágicas, e a alcachofra, inflorescência do cardo (Cardum coeli, ou Cardus beneductus, o cardo-santo), a qual é sujeita ao fogo pelo S. João para, no caso de reverdecer, assinalar o cumprimento do anelo de exaltação intima.

Esse jardim simbólico corresponde à representação visual-esquemática do mistério das manifestações do Supremo, tal como a Kabbalah – tanto a judaica como a cristã, tão cultivada na época – o concebe.
Segundo ela, e em traços largos, é através da árvore dos Sefirot, qual Tronco de Jessé, que a natureza divina enviada ao Mundo adquire a sua vertebração.

São três as colunas da árvore dos Sefirot, neste exemplo também elas próprias árvores. Se as laterais, ditas de Misericórdia e de Rigor, tendem a manifestar a intersecção da História Sagrada com a Historia Nacional que os Reis de Portugal, quais émulos dos de Israel, encarnam, a coluna central ou mediana é a via da Glória do Eterno, o Ein-Sof, ou Encoberto ... Nela coincidem, como pólos teofânicos, alfa e ómega, o princípio e o fim, a primeira e a última das dez Sefiras: Kether (a Coroa) e Malkuth, (o Reino).
Assim acontece, com efeito, em Tomar. Ao centro, no topo, avista-se Kether Elyon, a Coroa Suprema de Deus, enquanto na base, sob a Janela, o grupo escultórico constituído pela árvore Seca evoca o Reino de Deus, simbolizado pelo seu representante terrestre.
Sobrepondo-se a Malkuth, a nona Sefira, Iesod, (o Fundamento), é claramente assimilável à Janela do Capítulo, a Assembleia das Cabeças (Caput) dos Perfeitos e Justos, obreiros do Reino de Deus à face da Terra e mediadores na transferência da sua luz de oriente para ocidente, direcção cardeal para onde se volta essa que se pode chamar, legitimamente, autêntica Janela do Céu. Aliás, não é aleatória a orientação do edifício, nem tão-pouco a circunstancia de o eixo dele caminhar da Charola, pela sua estrutura intrínseca, síntese da história desde Adão e Eva (os primogénitos isentos de conhecimento ali retratados 16 vezes) e exaltação da Jerusalém histórica, para a igreja manuelina, o Tabernáculo da Nova Aliança. Velando, ou não constituísse ela a vista de Deus, o seu terceiro olho, a sexta Sefira, Tiferet (a Beleza), isto é a Chéquina propriamente dita, é encarnada pela Rosácea, elemento cujo designativo é falante e, formalmente, sugere um vórtice para onde a fecundante espiração do Altíssimo converge compelida pela dupla qualidade divina da Força e da Sabedoria que o Grifo ou Esfinge na sua base, como vigilante dos caminhos da salvação, evoca.
Dante acha-se necessariamente implicado nesta "mostração". A adesão do florentino aos ideais gibelinos serve também de abono ao exercício em curso. Efectivamente, a visão da árvore que reverdece teve-a ele, de acordo com trecho do Purgatório (XXXII, 38, 50, e XXXII, 50-60) da Divina Comédia, a seguir à revelação do rosto da dama sobrenatural (XXXI, l33, l40), a Matrona, Chéquina, ou Rainha dos Anjos (que conduz à árvore da Vida), significativamente comparada ao "esplendor da viva luz eterna", a qual lhe foi mostrada quando via o Grifo que, imutável em si, se transformava na sua imagem reflectida.
Por nunca haver aludido expressamente ao busto sob a árvore Seca, não significa isso que ele desmereça a nossa atenção. Ao invés, a sua presença ali, emanando de uma cordoalha enlaçada e sustentando-se das raízes da árvore murcha do paraíso, só acrescenta verosimilhança a tudo o exposto, porquanto nele se retracta o Novo Adão prognosticado por Esdras, o qual durante três dias aguarda sob uma árvore, ate que uma voz se lhe dirige, proferindo uma frase enigmática: "O mundo está dividido em dez partes e chegou à decima", isto é, atingiu a derradeira Sefira, Malkuth, o Reino, que corresponde aos Tempos Messiânicos.
Apenas convém acrescentar que, na origem, a obra comportava o já referido busto e quatro outras cabeças concebidas para ocuparem posições simétricas duas a duas nas fachadas norte e sul, nesta última. sob as janelas nela delineadas por Diogo de Arruda, coincidindo em qualquer dos casos com os laços da cordoalha que circunda o edifício como para hermeticamente o encerrar e proteger.
Na época, a via exclusiva de acesso ficava sendo o portal sul, concebido por João de Castilho. E mesmo esse não omitia o carácter reservado do recinto, destinado apenas àqueles que o Amor, sugerido pelo Cupido empunhando uma seta na sua mão direita e visível no fecho da arquivolta maior, ferisse para neles suscitar o segundo nascimento ou, na imagética de S. Paulo, o surgimento do Homem Novo a que alude uma fieira de ovos só visível por quem se tenha já internado, leia-se iniciado, no Templo.
Quererá então fazer-se tábua-rasa do tão encarecido simbolismo marítimo manuelino. De forma alguma, porquanto a navegação indubitavelmente constitui o seu cerne, ou não fossem os Cavaleiros de Tomar, à imagem dos Discípulos do Cristo Jesus, pescadores de almas e os seus actos os de novos apóstolos designados por renovado evento pentecostal.
Em consequência, as bóias de cortiça (piecettes) da igreja manuelina de Tomar, sendo flutuadores, são anagogicamente símbolos salvíficos e a cordoalha, remetendo para o apetrecho da faina marítima, não deixa de alegoricamente apelar para a ligadura das três potências da Alma. Contudo, se a corda é símbolo da natureza universalizante, representando a luz ou essência divina. o Amor e a relação com o divino, o laço ou o nó, pressupondo a união das três naturezas manifestadas em todas as coisas criadas por Deus, representa a vinculação ao circuito do espírito mediante voto indissolúvel, o que justamente constitui a via interior mística.

Enquanto Helena olhava para ele com ar embasbacado, António sorria enquanto caminhavam à beira rio

- Olha, acho que o melhor é deixar-mos tudo isto para depois. Vamos, quero apresentar-te uma
pessoa.

Dirigiram-se então para a Torre de Dornes sem repara na misteriosa figura de negro que os
espiava nas sombras.

Isaac, cinturão negro de artes marciais, musico, gestor de redes, mestre budista, engenheiro de sistemas informáticos, sexólogo e chef de "nouvelle cuisine fransaise" especialista em crepes esperava por eles sentado numa tripeça de cortiça.

- Bom dia Helena. Bons olhos te vejam a ti.

- Helena, este é o mestre Isaac, o meu mestre e mentor.

- Muito prazer.

Gaguejou Helena ao reparar no olhar leitoso e vazio do monge.

- O que te traz aqui hoje é algo que transcende todo e qualquer saber mortal Helena, cuidado com as sombras e lembra-te que em 27 uma vem depois da outra e tens de colocar sempre uma à frente.

Então como que por magia Isaac desapareceu envolto numa bola de fumo deixando em seu lugar uma pequena tira de papel verde com a inscrição: IFMFOB TFOIPSB EP UFNQMP F EB DIBWF FN BMNPSBM SFQPVTB B UVB DPSPB, em verdana corpo 12 cor amarelo brum.

Nas sombras do interior da igreja uma figura sinistra ria-se baixinho ajoelhada aos pés da virgem.